"Consegui mudar o meu destino". A frase é de Alcides Braga, dono da Truckvan, uma das principais fabricantes brasileiras de baús para caminhões. Confira as lições de sua trajetória, da periferia de Guarulhos para o topo do mundo dos negócios
SEU LEMA É SIMPLES: "Não podemos ter ex-clientes"
Nos anos 1960, o Parque Santo Antônio - na periferia de Guarulhos, Grande São Paulo - era um local ermo, desenhado por ruas de terra e muito mato. Em uma das poucas casas erguidas no bairro, a rotina era típica de uma família pobre: cortes de luz, roupas contadas e comida racionada. Ali cresceu Alcides Braga, fundador da Truckvan, fabricante de baús e módulos para caminhões que prevê fechar 2010 com um faturamento de R$ 30 milhões.
Articulado e de fala mansa, Braga, de 46 anos, herdou dos pais a persistência e a paixão pelo trabalho. O pai, o encanador também de nome Alcides, aposentou-se apenas no ano passado, aos 81 anos. A mãe, Talgina, de 78, além de cuidar da casa, passou boa parte da vida fazendo faxina. "Meus pais sempre trouxeram o suficiente. Morávamos em uma casa simples, sem piso, mas consegui chegar à faculdade", afirma Braga.
O empresário começou a trabalhar cedo. Antes dos 10 anos, já fazia de tudo: engraxava sapatos, realizava carretos, vendia chuchu e abóboras que colhia no quintal de um vizinho, entre outras "profissões" que se estendiam pela semana. "Eu ficava o dia todo fora. Minha mãe me esperava com a vassoura. Eu chegava todo sujo com o dinheiro para colocar na mão dela", lembra.
A conversa fácil e a habilidade para desenvolver relacionamentos são os pontos fortes de Braga. Para ele, a vocação comercial aflorou naturalmente. "Nunca fui de brincar. Jogar bolinha, pião e soltar pipa não eram o meu forte. O trabalho sempre me atraiu mais", recorda. Caçula de oito filhos, ele foi o único dos irmãos a cursar o ensino superior. Ingressou em Letras, mas acabou abandonando o curso. Teve como exemplo um chefe na Randon - uma das primeiras empresas em que trabalhou - que, apesar de farmacêutico, construiu uma carreira de sucesso fora da sua área de formação. "Ele me influenciou a não pensar muito na faculdade. Mesmo com um diploma, a vocação fala mais alto", diz.
A relação com o universo dos caminhões é antiga. Apesar de iniciar sua carreira formal aos 14 anos, como office-boy nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, logo rumou para o setor de onde não sairia mais. Trabalhou como boy na Randon, onde conheceu o auxiliar de expedição Flávio Santilli, que mais tarde tornou-se seu sócio na Truckvan. Lá, destacou-se como vendedor, passando uma temporada de dois anos em Mato Grosso. Ao retornar para São Paulo, arriscou um empreendimento paralelo à carreira que começava a decolar.
Junto com um amigo que desejava empreender, Braga comprou uma oficina de costura. Ao mesmo tempo, já em 1986, atingira um posto de destaque na Randon. "Eu ganhava o equivalente a uma quantia entre R$ 20 mil e R$ 30 mil", calcula. Adquiriram máquinas e ampliaram as instalações. Com o Plano Cruzado, entretanto, houve uma rápida contração do mercado e os amigos viram-se obrigados a mudar os planos. "Eu percebi que não bastava uma veia empreendedora. Era preciso conhecer o setor. Resistiram apenas os que dominavam a atividade", diz. Para sair da empreitada, ele pagou as dívidas com recursos oriundos da venda de um apartamento que possuía.
O fracasso de empreender em terreno desconhecido conduziu Braga de volta ao seu ramo de origem, em que se reergueu rapidamente. Em 1987, já não estava mais na Randon. O talento para negociar e criar relações o fez chegar a supervisor nacional de vendas na FNV, fabricante de carretas pertencente ao grupo Engesa, que depois foi vendida à Ioschpe-Maxion. Porém, mais uma vez, Braga desafiou a zona de conforto. Em um voo na ponte aérea Rio-São Paulo, encontrou um colega que na ocasião era diretor da Metalúrgica Paulista, fábrica paranaense de baús de carga para caminhões. Na conversa, Braga soube que a empresa desejava ampliar as vendas de sua distribuidora em São Paulo. Logo veio a proposta: ele assumiria a gerência da filial e teria parte do seu salário retida em um caixa para que, depois de um ano, pudesse adquirir a concessão da sucursal. Fechou as portas na Maxion, empresa em que tinha uma carreira promissora, e partiu para um caminho incerto.
OS 7 PONTOS FORTES DE ALCIDES BRAGA >>> NÃO ANTECIPAR FASES. Depois de comprar um carro zero sem ter condições, logo no início da Truckvan, Braga aprendeu a dar um passo de cada vez. Não dá para ter ganhos além do limite estrutural.
>>> PAGAR EM DIA. Braga afirma que, em 18 anos de existência, a Truckvan sempre honrou seus compromissos com funcionários e fornecedores.
>>> PRIORIZAR AS PESSOAS. "Passo a maior parte do meu dia atendendo funcionários. Ninguém aqui anda para o lado. Contratamos profissionais sem experiência e procuramos formá-los de acordo com nossa visão", diz Braga.
>>> COMEÇAR PEQUENO. No início da Truckvan, eram apenas os dois sócios e outros cinco profissionais. "Fazíamos de tudo: vendíamos peças, anotávamos pedido, comprávamos a mercadoria, emitíamos a nota e, depois de 30 dias, pegávamos o cheque no cliente", lembra o sócio, Flávio Santilli.
>>> PLANEJAR - E SER ÁGIL. "Atualmente não tenho surpresas. Sempre procuro fazer previsões. Se o fluxo de caixa vai apresentar problemas daqui a duas semanas, eu já tomo uma atitude para não prejudicar meus pagamentos", diz Braga.
>>> INOVAÇÃO. Hoje, a Truckvan baseia sua produção em tecnologia própria. Braga afirma que é preciso prestar atenção às novidades. "Dessa forma, temos equipamentos adequados às nossas necessidades, mas sempre pesquisamos na indústria novas formas de otimização da nossa produtividade", analisa.
>>> PERSISTÊNCIA. "Uma coisa ninguém pode negar: sempre fomos muito insistentes. Sem isso, dificilmente, conseguiríamos sobreviver em meio a tantas mudanças e crises econômicas", diz.