Compradores da maioria dos hotéis de alto luxo de Paris, investidores árabes modernizam o setor
A venda do hotel Crillon, um dos mais luxuosos de Paris, para um investidor saudita confirma uma tendência que parece certeira para a hotelaria de prestígio: um a um, todos os sete “palaces” parisienses – como são chamados os hotéis além de cinco estrelas da capital francesa – estão indo parar nas mãos de investidores árabes.
Ainda que não tenha sido anunciada oficialmente pelo hotel – mas confirmada por fontes do mercado imobiliário francês –, a venda do Crillon acentua um rumo que começou a ser ditado no final dos 1970, quando o mítico hotel Ritz, na praça Vendôme, foi abocanhado pelo milionário egípcio Mohamed Al-Fayed. De lá para cá, e especialmente a partir dos anos 1990, as grandes fortunas do Oriente Médio parecem brincar de quem adquire o hotel mais badalado na capital francesa.
Fachada do hotel Plaza Athénée, em Paris, que pertence ao sultão Hassanal Bolkiah, de Brunei
Em 1996, foi a vez do príncipe saudita Al-Walid comprar o George V, em uma venda estimada em 140 milhões de euros (R$ 320 milhões). O Le Meurice, em frente aos Jardins de Tuilerias e a poucos passos do Crillon, na praça da Concórdia, integra desde 1997 o patrimônio do sultão Hassanal Bolkiah, de Brunei. Alguns anos depois, em 2001, o ex-bilionário número 1 do mundo se deu de presente outro hotel de luxo parisiense, o Plaza Athénée, na sofisticada avenida Montaigne. E no exemplo mais recente, por supostos 250 milhões de euros (R$ 571,4 milhões) o elegante Royal Monceau passou, em 2007, ao comando do fundo soberano Qatari Diar, do Qatar.
O único palace que permanece nas mãos de franceses é o Fouquet’s Barrière, na avenida Champs-Elysées. Fechando a lista dos estabelecimentos de alto luxo de Paris, o hotel Bristol pertence ao milionário alemão Rudolf Oetker.
Somas astronômicas
“Essas vendas nunca são fáceis e às vezes demoram meses ou até anos para serem concluídas, porque as somas envolvidas são astronômicas”, comenta Gabriel Matar, diretor francês da Jones Lang LaSalle Hotels, líder mundial em transações hoteleiras. Especialistas do mercado garantem que os retornos financeiros de investimentos tão monumentais começam a aparecer no mínimo dez anos depois. “Embora não estejam sozinhos nessas concorrências, os árabes acabam sendo os que têm mais dinheiro à disposição nas negociações de venda, e os que têm menos pressa de atingir lucros. Além disso, eles gostam de diversificar suas fortunas e – é preciso dizer – são fascinados por luxo.”
Em outras palavras, ninguém paga mais do que os reis do petróleo, que visam não somente Paris, mas cidades cosmopolitas ocidentais como Londres e Nova York. Os hotéis de Paris, no entanto, ocupam o topo entre os mais caros do mundo, já que a cidade é a que melhor simboliza o luxo para os turistas estrangeiros, explica Matar.
Assim, a média do preço da diária cobrada nos palaces chega a 775 euros (R$ 1.771), enquanto as dos concorrentes americanos e ingleses dificilmente ultrapassam os 700 euros (R$ 1.599). O cliente de luxo desembolsa em média 1,2 mil euros (R$ 2.742) nesses hotéis em Paris, distribuídos em gastos com serviços como spa, city tour ou restaurante.
“O luxo parisiense sempre foi um investimento seguro. Mas, mesmo assim, os investidores do Oriente Médio conseguiram tornar o setor ainda mais exuberante, atraindo uma clientela que não vê limites para os gastos quando sai de férias”, analisa o consultor Henri Guérin, da imobiliária de luxo Propriétés de France.
Embora tentem dissimular, o assunto é tabu para os gerentes dos palaces, temerosos de que a venda dos estabelecimentos franceses para os árabes seja vista como uma perda das tradições. Todos foram procurados pelo iG, mas nenhum quis comentar as transações comerciais, alegando que resguardam o silêncio sobre o assunto.
Salto nos preços
Uma fonte próxima das negociações da venda do Crillon confirmou que, com os investimentos realizados pelos novos proprietários, os hotéis da capital puderam dar um salto nos valores cobrados pelos quartos. As suítes imperiais dos palaces chegam a custar inacreditáveis 20 mil euros (R$ 45,7 mil) por noite. “Nos últimos 15 anos, acompanhamos a chegada de uma nova clientela jovem russa, chinesa e do Oriente Médio, sedenta por todo o tipo de mordomias que o dinheiro deles é capaz de pagar. Para atender essa demanda, os hotéis foram obrigados a se modernizar e a se tornar ainda mais luxuosos”, disse a fonte.
Como consequência, as vendas dos estabelecimentos franceses foram acompanhadas de milhões de euros em restauração e novas instalações, como piscinas, centros de convivência e até cinema. Os gastos com obras duplicaram o valor da compra do Royal Monceau, por exemplo, recém-reaberto com a assinatura do arquiteto Philippe Starck – e depois de passar dois anos em uma reforma completa.
O aperfeiçoamento e a ampliação do pessoal também são responsáveis por uma grossa fatia dos custos, uma vez que os palaces dispõem de pelo menos 2,5 funcionários para cada quarto. A chegada de três novos hotéis de alto luxo, todos de proprietários asiáticos e previstos para estarem prontos até 2012, é outro fator que está aquecendo a concorrência hoteleira de prestígio parisiense. Para completar, a contratação dos mais renomados chefes de cozinha do mundo passou a ser obrigatória nos restaurantes destes hotéis. É o caso do chefe Alain Ducasse, estrela do restaurante do Plaza Athénnée, onde um jantar não sai por menos de 400 euros (R$ 914) por pessoa.
No topo da qualidade da hospedagem em Paris, os sete palaces respondem por apenas 2% do mercado e movimentaram 500 milhões de euros (R$ 1,14 bilhão) em 2009, ainda sob os efeitos da crise econômica, quando tiveram uma média de 47% de ocupação dos quartos. Este ano marcou a recuperação do setor, quando chegaram a registrar 85% de ocupação nos meses de verão, de acordo com o Escritório de Turismo de Paris. A média anual deve ficar em 70%, conforme estimativa da Jones Lang LaSalle Hotels.